segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Sofia

Senta-se, enfim, no sofá, como se senta sempre, no fim do lanche, depois de tudo meticulosamente arrumado. Gosta de alguém a quem fazer jantares ou lanches, gosta de sair, gosta de pintar os olhos de uma cor estranha e fica sempre bem.
Senta-se, enfim, a cabeça tombando ligeiramente sob o lado esquerdo, os pés enrolados em cima do sofá cinzento, agarrando as pernas, num sentar já de si desanimado.
Diz um dia vais ter de estar sozinha e gostar disso, um dia vais aprender que bom, bom, é ir Às compras sozinha, ver filmes sozinha, comer sozinha. Custa muito a aprender, mas tu aprendes, e à medida que fala sinto-me encolher no meu sofá, não sei se por mim, se por ela.
Diz ainda, numa simplicidade estranha de quem comenta a nova sombra de olhos, vou-me casar, não gosto dele mas também, nunca mais vou gostar de ninguém, portanto caso-me já, sonhei tantos dias com o pedido, que quando me pediu em casamento já nem senti nada, mas pensei, pelo menos, que me case com quem me roubou primeiro a capacidade de amor. Sou como os homens, não tenho sentimentos, e desta vez encolho-me já por três, por ela, por mim, pelos homens. Talvez por um quarto elemento, talvez me encolha também pela vida.
E encerra, sei que é muito deprimente falar comigo sobre estas coisas, não devias ter vindo cá.
Adoro os teus pés, Sofia, mas nesse dia, caso não te lembres, estavas descalça no sofá e vestida de preto. Toda de preto.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Dia dos Namorados

É, talvez uma das nossas melhores clientes e nós vendemos flores. É, também, uma senhora simpática, que costuma fazer coisas bonitas à frente dos meus olhos e a quem costumo perguntar o que me atormenta a alma, no que às flores concerne.
Este ano reparei que entraram imensas mulheres. Era, ainda, dia 13; mas havia inclusivamente uma secção de ramos mais, como dizer, masculinos, estilizados e bordados do universo dos homens, cheios de estruturas metálicas e rolos de desperdício.
Nunca resisto a uma boa pergunta, e a natureza das pessoas continua a fascinar-me. Perguntei-lhe, pois, se muitas mulheres compravam flores para oferecer no Dia dos Namorados. Respondeu que sim, cada vez mais. Perguntei se os ramos eram diferentes, respondeu que de facto, elas tendem a preferir flores diferentes das costumeiras rosas e ramos mais «tecnológicos». Comentei, então, que aquela miúda gira, mais ou menos da minha idade, que tinha entrado há 10 minutos, tinha levado um desses ramos.
Respondeu que sim, que ela sempre foi muito bonita; ele menos, e que tinham levado uma paixão contra tudo e todos, contra, sobretudo, a família dela. Tinham, porque a outra paixão dele sempre foram as motas de 4 rodas; essas mesmo que, um ano depois de casados, lho levaram a ela. «Sabes, Inês, ela não disse, mas eu sei... Aquele ramo era para o jazigo.»


Banda Sonora (tristemente): Fico Assim Sem Você, Adriana Calcanhoto
Acrescento(s): No dia seguinte, não fosse alguém namorar menos por minha causa...

domingo, fevereiro 12, 2006

Tecnologias

Antes do «técnico» sair.
« - Oh, André, e como é que eu faço para ver o filme no teu computador?»
« - Ah, é muito fácil, vens a meu computador, F, filmes, abres o filme, voltas a carregar no F e aumentas o som aqui. Mas espera, para ser mais fácil para ti, faço-te aqui um atalho.»

Depois do «técnico» sair, desta vez por telefone...
« - Ouve, mas eu não consigo pôr som no filme, não dá para controlar onde tu disseste.»
« - Ah, esqueci-me de te dizer, carrega no FN.»
« - ONDE!?»
« - Na segunda tecla inferior do lado direito... Vê lá se não dá...»
« - Ah, pois dá...»

Conclusões possíveis:
1) Parafraseando o meu irmão mais novo, que por sua vez parafraseia o avô dele, «A máquina tem sempre razão»;
2) Sou analfabeta funcional, irremediavelmente... ;)

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Se foram dias ou meses, não sei

Se foram dias ou meses, não sei. Se foi a tua mão repetida sobre a minha cara e o cinzento arroxeado a espalhar-se em volta dos olhos; se foi a alegria da tua morte e o profundo nojo por se ser feliz com a morte de alguém. Se foi a carne a crescer pelo corpo sob forma de gordura, «já fui jeitosa, menina, já fui jeitosa», se foram as rugas alastrando pela parte de fora da cara e os olhos azuis perdendo o brilho.
Se foram meses ou anos, não sei. Se foi depois a descoberta de me fazer ainda falta a tua mão por cima dos meus olhos, o macilento arroxeado, o peso da dor e da vergonha de esconder os olhos na rua, se foi a evidência e a vergonha maior de amar o mau-trato na tua pessoa. Talvez fossem as dívidas por pagar, numa justa maneira de te manteres na minha vida, maltratando; ou a solidão e os homens que fui afastando pelo caminho por não saberem ao mesmo que tu, por definitivamente não lhes pesar igualmente a mão, por inevitalvelmente não me bater do mesmo modo o coração.

Sabes,Almerinda, eu devia ser uma parede branca e caíadinha à espera da tua história, pronta para poderes pintar de cinzento, suportar o embate e fazer mais cor de rosa uma história triste. Rosas, as rosas com que todos os dias trabalhas e transformas em ramos, todos os dias no estúpido exercício de trabalhar uma beleza efémera, no fundo metáfora da tua vida, as rosas, os espinhos, a estúpida atração pelo abismo. Devia ser eu uma parede branquinha, mas não posso, desta vez não posso, ou não consigo, e só me apetece gritar-te, que, urgentemente, peças a alguém que te abraçe.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

E eu...

... vou comprando sapatos compulsivamente. Então, queríamos agradecer ao período de saldos!

(ok, foi non-sense, e eu sei, mas achei piada!)

Este blog...

... está a fazer um ano! :)