Depois de acordar, estica os braços ao céu do tecto do quarto e põe o pé descalço e nú sobre o tapete branco de lã grossa, disposto, simetricamente, ao lado da cama, por cima do chão de madeira impecavelmente encerada.
Levanta-se, toma o seu perfeito pequeno-almoço na mesa de carvalho da cozinha e começa a rotina da preparação do dia. Creme hidratande, base, pó solto e compacto, sombras, gloss. Escovagem de cabelo, o bater do salto alto pelo chão.
Sai, e durante todo o dia sorri com um sorriso plástico, básico de tanta base ou de tão pouco calor. Todo o dia, no mesmo nariz arrebitado, no mesmo ar altivo, na mesma segurança de que, por dentro, está tão longe. Sorri, enquanto todos lhe copiam os gestos e lhe elogiam a força, a dignidade, o carácter; enquanto se lhe estilhaça como cristal, por dentro, o peito, enquanto se sente definhar e asfixiar em pedaços.
Quando regressa ao mesmo tapete branco, à mesma mesa, assim que transpõe a soleira da porta, dado o primeiro passo já dentro de casa, leva-se-lhe a base, lava-se-lhe a face, quebra-se-lhe a alma. Chora, chora enfim enfiada num qualquer canto, por cima do tapete branco, chora baixinho, alto e depois já compassadamente, chora coração e entranhas numa estranha angústia que não pode explicar.
Volta a ver-se ao espelho, a impecável maquilhagem da manhã agora desfeita, escorrendo sob o sal das lágrimas e borrantando como uma folha de papel lisa a pele perfeita. Limpa-se, e prepara-se para o retorno ao sorriso, para o retorno à vida, ainda a pensar em quão pouco se sente viva.
Sem comentários:
Enviar um comentário