segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Sofia

Senta-se, enfim, no sofá, como se senta sempre, no fim do lanche, depois de tudo meticulosamente arrumado. Gosta de alguém a quem fazer jantares ou lanches, gosta de sair, gosta de pintar os olhos de uma cor estranha e fica sempre bem.
Senta-se, enfim, a cabeça tombando ligeiramente sob o lado esquerdo, os pés enrolados em cima do sofá cinzento, agarrando as pernas, num sentar já de si desanimado.
Diz um dia vais ter de estar sozinha e gostar disso, um dia vais aprender que bom, bom, é ir Às compras sozinha, ver filmes sozinha, comer sozinha. Custa muito a aprender, mas tu aprendes, e à medida que fala sinto-me encolher no meu sofá, não sei se por mim, se por ela.
Diz ainda, numa simplicidade estranha de quem comenta a nova sombra de olhos, vou-me casar, não gosto dele mas também, nunca mais vou gostar de ninguém, portanto caso-me já, sonhei tantos dias com o pedido, que quando me pediu em casamento já nem senti nada, mas pensei, pelo menos, que me case com quem me roubou primeiro a capacidade de amor. Sou como os homens, não tenho sentimentos, e desta vez encolho-me já por três, por ela, por mim, pelos homens. Talvez por um quarto elemento, talvez me encolha também pela vida.
E encerra, sei que é muito deprimente falar comigo sobre estas coisas, não devias ter vindo cá.
Adoro os teus pés, Sofia, mas nesse dia, caso não te lembres, estavas descalça no sofá e vestida de preto. Toda de preto.

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