sábado, dezembro 15, 2007

A bibliotecária

Ao lado da feira em que escoei dois (lentos) dias na exposição e venda (pelo menos, prevista, que na realidade não vendi nada) de produtos artesanais feitos pelos nossos velhinhos e pelas nossas crianças há um posto de leitura da biblioteca municipal.
O tédio faz-nos mal e, para aniquilá-lo, entendi por bem dirigir-me ao posto de leitura, para requisitar um volume que me ajudasse na hercúlea tarefa de passar muitas horas sentada numa cadeirinha de plástico branca, das de jardim, à beira de uma mesa apinhada de panos de loiça arrendados.

Mirei e remirei as prateleiras com poucos livros e, de entre alguns títulos de ficção de autores saxónicos, manuais de culturismo, culinária e viagens, escolhi a única coisa que talvez pudesse ler do curto acervo do posto de leitura: um Lobo Antunes. A bibliotecária, uma senhora de uns quarenta anos, enfeitada a bordeau a condizer com a camisola (e entendam-se como enfeites brincos e batom) disse-me que era um livro muito bom, de que tinha gostado muito. Eu retorqui-lhe que lhe acho as crónicas tão brilhantes e bonitas como acho os livros difíceis de ler. Entendam-me: sou pouco paciente e é preciso tempo para nos adaptarmos à escrita do Lobo Antunes e, sobretudo, sou uma espécie de autista pink e não consigo achar piada a assuntos pesadinhos, como a guerra colonial.
A bibliotecária fez depois o que fazem (quase) todas as pessoas quando me encontram: contou um bocado da vida, do divórcio, dos filhos e depois comentou que se tinha animado bastante desde que tinha ingressado num clube de leitura.

Não esclareceu mais nada a este respeito, mas em mim, a ideia do clube de leitura suscita a fantasia de pseudo-intelectuais (ou intelectuais de facto) mal vestidos, gabando as obras difíceis que leram. Uma espécie de eu li três-lobos-antunes-esta-semana digladiando-se com um ah-mas-eu-li-o-molloy-do-beckett, os dois com umas calças mal passadas e o cabelo demasiado comprido, preferencialmente encaracolado. E ainda senhoras leitoras de meia idade, não licenciadas mas tristonhas por isso, enfeitadinhas de bordeau, à procura de homens que sejam espertos por elas e lhes abram a estrada do acesso à (suposta) cultura.

E agora, vou ali ver o Grey´s, que se inicia uma nova temporada na FoxLife e não passo sem uma boa telenovela (pelo menos, é falada em Inglês).
Que, esclareça-se: a bibliotecária foi realmente simpática. E o livro até é giro.

3 comentários:

Anónimo disse...

E eu vou começar hoje "Não te deixarei morrer, David Crockett"... O que será que diriam de mim sobre este facto no clube de leitura?...

Margarida

Luz disse...

Margarida, o MST é um popoca em qualquer clube de leitura, até porque o VPV não gosta dele. Disse-mo o meu irmão mais novo, que tem treze anos, num destes dias em que jantei com ele: «Mana Inês, o Vasco Pulido Valente é arqui-inimigo do Miguel Sousa Tavares!». Portanto, EXPULSA do clube de leitura, a menos que uses adereços bordeau! :)

Anónimo disse...

para ti uma palavra: SAUDADE! amor, na minha mesa de cabeceira temos: o guia de indicaçao farmaceutica, ossos do oficio!o horario laboral esta a tranformar-me num ser rotineiro e aborrecido!em janeiro promete-me que vamos sair um fim de semana e fingir que nao existe 2feira e uma semana de trabalho pela frente!miss you