É uma rua grande e movimentada. Uma estrada como as outras. Alcatrão. Dois semáforos, um de cada lado. E uma pequena ilha a meio, um bocadinho de terra mal amanhado, com três agapantos velhos, já a mostrar as sementes. É uma estrada no meio de uma cidade, barulhenta, viva. É uma estrada… e tu não consegues atravessá-la. E o mais que sentes são as pernas, as pernas, mas coladas ao chão. E não andam, não avançam por muito que te esforces ou faças das tripas (ou das pernas!?) coração. É uma estrada cinzenta, e embora o semáforo vá caindo do verde ao encarnado, uma e outra vez, estás colada ao chão e não consegues, mas não consegues mesmo, ir. E bem te esforças, de joelhos no chão, e já não sabes como e quando caíste. Usas os cotovelos, avanças… Avanças? Três passos de cotovelo, e o semáforo outra vez verde e tu sem conseguir andar a pensar não presto para nada, mesmo. E as pessoas a passar, e agora é raiva, raiva em ondas rápidas a passar-te pela cara como um mar picado. Porquê? Porque é que ninguém me ajuda, pensas cada vez mais aflita, a tentar arrastar-te sobre os cotovelos. E aparece alguém, e pensas que finalmente te vai ajudar, mas parece que és parva e não conheces esta história há tantos anos, os outros nunca te ajudam, devem querer sempre alguma coisa, embora ainda não saibas o que este quer. Uma estrada, e lá se põe ele do outro lado mesmo, do outro lado da estrada, depois do primeiro semáforo, do separador central com os agapantos e depois ainda do semáforo do outro lado, já no passeio para onde queres ir, a dizer «Anda, anda!». E tu bem tentas, mas é claro que também não vales nada e não consegues e ele, em vez de vez de te pegar com força, puxar-te (nem que fosse de joelhos!), nada, nada… e tu cada vez mais desesperada, mais a pensar que não vales nada, nem um semáforo, Marta, nem um semáforo consegues atravessar, e ele a mesma coisa, nada de te puxar e sempre a chamar-te e tu cada vez a odiá-lo mais, e mais…
E talvez não saibas, Marta, mas recrias a história da tua vida neste sonho estranho, de que te desprendes esgotada e triste depois de ouvires «I still miss you» a seguir a um blá lá lá estranho, e acordares ainda mais irritada por causa da estúpida música que a rádio estava a passar hoje logo quando o despertador tocou.
Banda Sonora: Águas de Março, Tom Jobim
sábado, fevereiro 19, 2005
Marta
Publicada por Luz à(s) 8:35 da tarde
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