sexta-feira, novembro 11, 2005

«If praying were enough it would've come to be »

Agora, que tudo acalmou; agora, quando todos os dias me consumo em raiva em frente ao espelho, a lavar devagar os dentes, a gritar muda a raiva de ter 24 anos, efectivos, contadinhos num calendário regular, e não poder lavar os dentes sem uma palhinha.
Agora, que já não ouço perguntar se ainda mexo braços e pernas ao ritmo de três vezes por hora; agora, quando já não permito a ninguém que me toque nos pés para saber se os sinto; agora, que não tenho medo de morrer (já).
Agora, que sei que o tempo passa mais ou menos rápido e que para mim, lavar os dentes em raiva espumosa é só mais um bocadinho; agora...
...Ponho-me a pensar em como será viver todos os dias com a mesma raiva e, sim, ponho-me a pensar em ti, depois do choque mudo do outro dia, ponho-me a pensar na tua mesma idade, no teu mesmo acidente, e na lotaria do destino que te fez ter de suportar a vida todos os dias sem força nas pernas e me poupou a mim, a mesma idade e o mesmo acidente; ponho-me a pensar se também repetiste, também enterrado em medo, «não vou ficar doente», enquanto o teu carro rodava não sabes bem por onde, se também pensaste «vai parar e vou ficar bom», colado ao banco, espiralando pela estrada.
Agora, parece-me repugnante a ideia de Deus. Por muito que as minhas pernas e os meus braços mexam. Fuzilem-me.

2 comentários:

Anónimo disse...

estou a chorar.

Anónimo disse...

Tens o dom maravilhoso de nos fazer viajar, embrenhando-nos no enredo de uma qualquer história. Por saber da sua veracidade, pela primeira vez... estou todo arrepiado.