terça-feira, março 29, 2005

Pedro Paixão é um dos meus escritores portugueses de eleição... Fascina-me sobretudo o tom acutilado com que escreve e o ritmo, rápido, urbano.

«Escritor

Telefonava-lhe a meio da noite. Não importava a hora, precisava. Ela acordava sobressaltada. Ele dizia: "Sou eu." Ela dizia "És tu?" fingindo espanto.
Ele dizia disparates. Ela ficava a ouvir.

Isto durou alguns meses. Até ele acabar o romance que estava a escrever. Depois deixou de telefonar. Ela primeiro ficou triste e depois procurou um namorado que não fosse escritor.»


Viver Todos os Dias Cansa. É o título do livro.

sexta-feira, março 25, 2005

Incapacidades gritantes

Ocorreu-me que quem tem um blog deve actualizá-lo, mas tenho-me sentido incapaz de escrever o que quer que seja... É preciso qualquer coisa que ultimamente não me tem visitado. À vasta plateia dos meus inúmeros leitores, peço desculpas. Eu volto!

sábado, março 19, 2005

Insubstituíveis

Comentou-se, à hora do café, que feliz é quem frui das coisas simples que o mundo nos estende. Apeteceu-me fazer uma lista de coisas perfeitas, e quem me conhece sabe que vou fazendo o que me apetece...

- Sol e derivados, seja esplanadas à beira de um rio e um bom livro, seja uma toalha estendida numa carpete amarela de areia salgada...

- Rir, mas rir muito, até às lágrimas, até a barriga doer, e depois sorrir, e agradecer os amigos que temos, e que nos fazem (sor)rir assim, e voltar a rir por isso!

- Um filme simpático, dos que nos deixam (de) bem com a vida ou simplesmente nos fazem pensar.

- Passar a manhã a dormitar na cama, sobretudo quando está frio, se tem um edredão de penas e, ainda por cima, está a chover lá fora.

- A euforia da Salsa quando chego, alguém a ouvir-me incondicionalmente e a sensação de chegar a casa.

- O sorriso da Teresinha, e a forma como me olha e galreia enquanto dá os primeiros passos e a excitação do Vasco quando chego, o agarro, beijo e levanto ao colo do chão.

- Os olhos do Gonçalo a sublinhar uma pilha de livros a cor-de-laranja e azul, metodicamente, porque laranja é a minha cor e a forma como olha para mim e sorri vagamente quando decide deixar um bocadinho a pilha de papel...



A vida é perfeita nalgumas formas, e, acreditem, é tão bom ser feliz.

quinta-feira, março 10, 2005

Madalena

Sempre te disseram, Madalena, que Madalena é nome de menina queque. Sempre to disseram, na rua, na escola e, de alguma forma, foram-to dizendo por todo o lado.
Nunca foste magra também, Madalena, mas sempre te disseram, por todo o lado, que uma menina quer-se redondinha, composta, saudável, e foste crescendo entalada entre o nome de menina queque e a alegria da mãe pelo tamanho roliço das tuas pernas.
Foste crescendo, e chegou a altura de cresceres ainda mais e de uma maneira diferente... Chegou a altura de te sair carne da carne, de te crescer o peito, por dentro e por fora, e de usares camisolas largas para esconder a tua nova figura e artifícios vários para esconder o amor pelo Bernardo, que amaste como só se ama quando se tem quinze anos.
Sabes, do fundo do coração ou do peito que foi crescendo com os anos, até que decidiste fazê-lo voltar ao tempo em que ainda eras menina (queque), que tudo começou mesmo pelo Bernardo.
E foi assim rápido, quase ridículo na repetição dos queques como padrão da tua vida, tu ali, sentada à mesa do bar do colégio ao lado da Mariana e da Maria e o Bernardo a passar, e tu a comeres um queque, e a sentires vagamente o coração, ou o que fosse, a saltar-te pela boca e qualquer coisa por dentro desordenada, como se de repente o teu estômago tivesse decidido mudar de lugar e, porque não, voar pelo corpo... E o olhar do Bernardo, e aqueles olhos azuis, que ainda achas princípio e fim de ti, risonho, mas num riso de gozo, e as palavras dele, Madalena é nome de queque, mas desta vez queque mesmo o bolo, estás a ficar gorda, oh Madalena... E tu ali, sentada no bar do colégio, ao lado da Mariana e da Maria e de alma pequena, muito pequena, o coração (quase tão) encolhido como a barriga, a pensar no bolo comido, no tamanho das coxas, no peito a crescer por dentro e por fora.
Levantaste-te, Madalena, decida a tirar agora a carne à carne, a deixar de comer, a seres também tu, princípio e fim da vida do Bernardo e sobretudo, mais que tudo, acima de tudo, magra.
Levantaste-te, correste aos balneários e, numa primeira vez entre o desespero puro e a felicidade, vomistaste queque, a tua mãe e as amigas, as hormonas que te fizeram crescer e o Bernardo, mas sobretudo, e sabe-lo agora, vomitaste o pouco amor que te tinhas (ou ias tendo).
Aperfeiçoaste a técnica, Madalena, e agora é tão mais rápido que dessa primeira vez no colégio. Comes muito, muito, muito, quando já não consegues controlar a fome e de repente te descontrolas de vez, e depois apanhas o cabelo, lavas as mãos, vomitas tudo, bebes água, vomitas outra vez e choras no fim, como que a acalmar a raiva que vai flutuando agora por ti, e só parece passar quando, por fim, vomitaste tudo.
E sentes, Madalena, que a tua vida está, inevitavelmente, confinada a comer as calorias da vida sob forma de tristeza e a vomitá-las nos intervalos do sabor da fome, como se o mundo girasse à tua volta como um queque, esse queque que nunca te deixou...

Apetece-me dizer-te, Madalena, que sim, o teu nome é nome de queque, mas é também nome, dizem alguns, da única mulher que Jesus Cristo amou... Ressuscitado, foi a ela que apareceu, e ocorre-me perguntar-te, Madalena, se algum dos tamanhos de Maria Madalena importa nesta história que não o tamanho do coração...


Banda Sonora: Fat Boy, Jewel