sábado, abril 30, 2005

«Tenho um cavalo cansado/ Que a minha mãe me deu...»

Esta noite discutiram. Sonoramente, alto. Discutiram o casal que (já) não são, o amor que não se têm e talvez nunca tivessem tido. Discutiram-se, a cada um e aos dois, numa cacafonia triste e ansiosa, vigorosamente.
Esta noite discutiram, como discutiram ontem, como discutirão amanhã. Esta noite, como ontem e amanhã, acabaram na cama, os corpos despidos, a raiva em movimentos rápidos entre pernas e braços e ritmos vários, entre o arranhar da carne e a dor do prazer. Esta noite, depois de se discutirem, depois de se lutarem, depois de se amarem num amor que nunca foi, perceberam, como já tinham percebido, que é fina e translúcida de tão transponível a barreira que separa o ódio do amor.

Esta manhã decides o fim, decides parar, decides hoje que não vale a pena ser-se o que nunca se foi, que há tanto que o amor não é que chega a doer.

Este mês, as contas da natureza não estavam certas nas tuas, ou estavam certas de mais e acertou-se a conta, noves fora nada.
E agora, um bocado de plástico com uma janela agora verde depois de um tempo de espera, um embatado em branco a mexer-te por entre as pernas, qualquer coisa em ti a crescer com o tempo, agora pensas.
Em como era fácil, descola-se um bocadinho encarnado de um tecido fofinho do útero da tua barriga e cai, e é só dormir e nem dói nada, e lá se vai o que em ti cresce dentro de um saco e nunca mais se pensa. E mais uma vez te ocorre a fina e suave fronteira que vai do amor ao ódio e pensas em como te leva o amor.

Hoje, depois de despida, depilada, desifectada e lavada, decidem adormecer-te com uma picada fininha e dizes adeus ao mundo a contragosto e a medo.
Hoje, algumas horas depois, voltas ao mundo em dores de barriga aberta e costurada, assustada e com sede, e é quando te lembras e perguntas, alto, se está tudo bem.
Hoje, depois de pedires com uma insistência que não te conhecias podes vê-la, feia, encarnada, excessivamente cabeluda, chorosa e cansada.
E pensas, enquanto lhe pegas e lhe colocas o indicador entre os dedos e ela o aperta, pensas convicta que se há amores para a vida, este é um. Definitivamente.


Obrigada, mãe.


Banda Sonora: Angel standing By, Jewel

terça-feira, abril 26, 2005

Este blog esteve uns diazitos santos a banhos no Algarve e, pese embora o retorno à polis dermicamente escaldado, vem cheio de moral.
Para escrever umas coisas mais amiúde, para, dê por onde der, arranjar um engenheiro informático que meta um contador de visitas nestas páginas. Ok, pode ser alguém menos letrado, mas pouco, que um blog não se entrega assim às mãos de qualquer um!

Agora sério... custa tanto regressar! Pelo menos está sol e temos sempre esse consolo!

quarta-feira, abril 20, 2005

Limites

Tirando o universo, tudo tem limites.
Hoje levantei as raízes do cabelo, que de fofo e lisinho passou a fardo de palha seca indomável. Gastei um dinheirão nisto e sofri horrores, ataviada em batas e espartilhada em rolos e frisantes vários.
Faltei a um workshop de ilustração por não saber onde se realizava.
Passei a tarde a ligar à organização do workshop que, garantiram-me já de noite, vou tutoriar amanhã.
Vi um vestido branco lindíssimo, que custava a módica quantia de 70 euros e me assentava (mesmo) maravilhosamente. Acrescente-se que gastei pouco menos a fazer isto (ai!) ao cabelo...
Soube de comentários pouco elogiosos e discretos acerca de mim que por aí foram feitos. Por pessoas para quem fui excepcional.
Tirando o universo, tudo tem limites.
Este é o meu, mas parece que ainda tenho o workshop para fazer.


Ps. Acho que vou viver para Nova Iorque ainda este ano...

terça-feira, abril 19, 2005

Histórias...

É tão mais confortável contarmos histórias a nós próprios que admitirmos verdades, que muitas vezes, de tanto as contarmos, acabamos por não saber mais se são verdade, ou mesmo como agir.
É um desabafo... ando a contar um excesso de histórias a mim própria e talvez fosse melhor assumir de vez. Uma série de coisas.

domingo, abril 17, 2005

Desconhecidos?

Conheceu-me Sábado, deve ter-me olhado para dentro o dia inteiro.
Domingo, depois do café-terapia pós-refeição, disse-me que me tornasse mais egoísta e menos ansiosa, e nem era uma crítica.
Fiquei fula, não sei se por achar que tinha razão ou se por me parecer estranho ser tão transparente.

domingo, abril 10, 2005

(Pop) Stars

Tenho o privilégio de morar no campo, longe das luzes das cidades e do burburinho sonoro dos carros que passam...
Sempre adorei o céu, por nunca ter conseguido perceber a distância que nos separa das estrelas, por achá-las insuportavelmente bonitas e misteriosas e porque me agrada a ideia cristã de que as boas pessoas vão para o céu...

Faz parte da ciência popular a ideia de que as estrelas cadentes permitem pedir desejos... E garanto-vos, como observadora atenta do céu, que é preciso paciência para as encontrar... São arredias, e o próprio conceito de cadente encerra em si o estigma de uma fuga, a marca inapagável de um momento efémero. É isso que as torna tão bonitas... E a certeza de que todos os momentos, como todas as estrelas cadentes, são diferentes, mas de que, ainda assim, podemos sempre esperar pela noite para ver o céu...

E tudo isto a propósito de ontem ter chegado a casa e ter sido contemplada com a visão de uma estrela cadente sem ter olhado para o céu o tempo suficiente para a merecer, e ter pensado na evolução dos meus desejos.

Há uns tempos, pediria certamente às estrelas qualquer coisa de muito específico, um qualquer acontecimento que no momento me parecesse apetecível...
Passei depois um período de raiva ao céu, em que virava ostensivamente a cara a estrelas, cadentes ou não... É que, infelizmente, o método de pedir-desejozinhos-às-estrelinhas é aleatoriamente falível.
Ontem, pedi, muito genericamente, que a minha vida melhorasse. Um bocadinho.


Banda Sonora: Restolho, Mafalda Veiga

PS. Ainda tiro um curso de astrofísica - está na lista (interminável) das coisas que ainda quero fazer...

quinta-feira, abril 07, 2005

Ela

É uma espécie de jogo, de angúsia e de dor.
Acordar de manhã, esticar os braços sobre a cama, abrir o estore e deixar entrar a luz branca da manhã. Num primeiro pensamento, lembrar-me dela, dos olhos dela a rirem-se da vida, de como sabe sempre o que quer, do cabelo dela e das mãos, das mãos dela entaladas nas minhas.
Levantar-me de vez, o tempo a parecer um liquído pouco viscoso, denso, que demora a passar, e ainda ela, o pormenor do lábio mordido quando quer mesmo alguma coisa, a teimosia do conjunto que é.
Olhar para o telefone, uma, duas, três vezes, tomar banho e voltar a olhar. Escrever-lhe uma mensagem, apagá-la, voltar a escrevê-la mentalmente enquanto me penteio,sabendo que não lha vou mandar.
Sofrer por ela, esperar por ela, arder por que diga qualquer coisa, chorar de raiva.
Vestir-me, apertar o nó da gravata, pensar na agenda e encerrar o capítulo dela até ao fim do dia.
Beber um café, que, depois de três colheres de açúcar, não obstante, sabe a amargo.

sábado, abril 02, 2005

Inesperado...

Nunca fiz publicidade deste blog senão junto de pessoas muito próximas. Porque me foi dado para exteriorizar o meu «melodramatismo» e me pareceu que mais ninguém quisesse aturá-lo, porque nunca me pareceu que alguma desta tralha verbal conviesse a quem quer que fosse que não directamente citado ou relacionado, porque nem sei como se publicita um blog e nunca me preocupei em saber.
Ao que parece, fui vistada por uma leitora estranha, que não conheço e que teve a gentileza de me deixar um comentário. Está-me a cheirar a responsabilidade com o que se escreve na blogosfera, e curiosamente, cheira-me a pastéis de Belém. Basicamente, é uma ideia simpática, que me cheira bem.