domingo, junho 26, 2005

Espero por ti e esperar é o mais díficil. Espero por ti por cima do sofá, por cima da minha cama, espero sentada numa cadeira em frente à porta.
Espero por ti e pelo som do rodar da chave na fechadura, pela luz entrando de rompante no hall, pela tua imagem e pelo teu ar desprendido de sempre, espero pelo teu beijo distante e seco.
Espero por ti consumida em ânsia, em saudade, em sal, espero que entres, me levantes do torpor que é viver e pintes de cor arco-íris o cinzento de mim.
Espero que chegues, me mordas, me arranhes, me comas em bocados por cima do chão da sala, me faças chorar e me leves outra vez aos lugares que só tu sabes abrir em mim.
De cada vez que tu vens, espero que me mates e, estranhamente, nunca acontece, mas vou morrendo aos bocados de cada vez que partes e não sei quando regressas, vou morrendo aos bocados sem ti em mim.


Banda Sonora: Like a Pill, Pink

terça-feira, junho 14, 2005

Cinza dos dias

Nunca ligo a televisão de manhã e nunca, nunca a tomo às refeições.
Hoje de manhã, depois de me levantar, decidi sentar-me com as pernas cruzadas da mesma maneira e a mesma tijela azul no colo por cima do sofá laranja e ligar televisão. Hoje, por qualquer insondável motivo, comecei o dia em saudades trazidas em blocos de notícias.
Estava sol anteontem e hoje choveu. Tive saudades tuas, avô, tão simultaneamente poeta, tão homem da liberdade e tão morto como eles.Senti-me como se o mundo, além de mim, te chorasse, num curta viagem de automóvel ao som de uma música pop de um rádio móvel também.

Eugénio de Andrade é um dos meus poetas favoritos. Pela simplicidade da escrita, pela música que dela salta e pelo amor e pela capacidade honesta de o (in)definir.
Adeus é um dos meus poemas preferidos. Por que me lembra pessoas e momentos especiais, porque procura ainda mostrar frutos onde outrora houve flores e agora há ramos secos. Porque os meus olhos são verdes, como o são os do poeta.

«Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certezade que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.»

Perfeito...
De que cor é um «olá», de que cor é um «adeus»?

segunda-feira, junho 13, 2005

Nas Tintas

Depois de acordar, estica os braços ao céu do tecto do quarto e põe o pé descalço e nú sobre o tapete branco de lã grossa, disposto, simetricamente, ao lado da cama, por cima do chão de madeira impecavelmente encerada.
Levanta-se, toma o seu perfeito pequeno-almoço na mesa de carvalho da cozinha e começa a rotina da preparação do dia. Creme hidratande, base, pó solto e compacto, sombras, gloss. Escovagem de cabelo, o bater do salto alto pelo chão.
Sai, e durante todo o dia sorri com um sorriso plástico, básico de tanta base ou de tão pouco calor. Todo o dia, no mesmo nariz arrebitado, no mesmo ar altivo, na mesma segurança de que, por dentro, está tão longe. Sorri, enquanto todos lhe copiam os gestos e lhe elogiam a força, a dignidade, o carácter; enquanto se lhe estilhaça como cristal, por dentro, o peito, enquanto se sente definhar e asfixiar em pedaços.
Quando regressa ao mesmo tapete branco, à mesma mesa, assim que transpõe a soleira da porta, dado o primeiro passo já dentro de casa, leva-se-lhe a base, lava-se-lhe a face, quebra-se-lhe a alma. Chora, chora enfim enfiada num qualquer canto, por cima do tapete branco, chora baixinho, alto e depois já compassadamente, chora coração e entranhas numa estranha angústia que não pode explicar.
Volta a ver-se ao espelho, a impecável maquilhagem da manhã agora desfeita, escorrendo sob o sal das lágrimas e borrantando como uma folha de papel lisa a pele perfeita. Limpa-se, e prepara-se para o retorno ao sorriso, para o retorno à vida, ainda a pensar em quão pouco se sente viva.

quinta-feira, junho 09, 2005

Hot, hot, hot!

Está um calor sórdido, dantesco, abrasador, infernal, exagerado, horroroso.
O meu mood para escrever derreteu. Estamos, assim, a banhos, até que São Pedro tenha piedade de nós e nos livre deste sol impiedoso.