domingo, novembro 11, 2007

Golegã

Vem, por favor, buscar-me num cavalo preto ou branco, porque de outra cor não teria, o cavalo, a dignidade de cor necessária ao momento, vem buscar-me e debruça-te sobre mim e sobre o chão, perdendo, por um instante, a compostura que tens sempre em cima da sela, apenas um instante suficiente para me enlaçares, apanhares do chão e içares para cima do nosso cavalo.
Vem, por favor, buscar-me e senta-me não atrás de ti, mas, definitivamente, à tua frente, à frente na sela, para que, necessariamente, para nos conduzires, tenhas de juntar a tua cabeça à minha e os teus braços ao meu flanco, abraçando-me para chegar às rédeas, colando a tua cabeça à minha enquanto procuras ver o nosso caminho para nos ires conduzindo.
Aproveita, que estará o meu coração encostado às tuas costas, o meu corpo cingido pelos teus braços e o meu ouvido encostado à tua boca e promete-me, promete-me, mas sem perderes nunca a posição correcta do pé no estribo, a altivez das costas direitas mas não rígidas, a compostura do boné, promete-me, que me hás de amar para sempre, por muito que para sempre seja muito tempo, mas promete-me que para nós queres para sempre, enquanto o nosso cavalo branco ou preto continua a caminhar a passo, guiado pelas tuas rédeas, passo atrás de passo, toc, toc, por cima do alcatrão preto, pelo meio do nevoeiro de princípio de dia e fim de madrugada, a luz nascendo na vila da Golegã, toc, toc, passo, passo, para sempre, para sempre.

Ps: Para provar taxativamente à L. que nem sempre escrevo na primeira pessoa a referir-me a mim. :)

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