terça-feira, junho 22, 2010

Flecha

Quando a conheci, numa sala pequena que dava para o jardim da AAC, vinha como provavelmente a vimos, vemos e veremos sempre: com uma resma de gente amiga atrás. Eu tinha, e isto também me parece razoavelmente consistente, um par de sapatos estranho, colorido e de salto alto.
Ela e os outros disseram coisas simples mas bem ditas (less is more) e eu, e isto também me parece tão plausível e consistente comigo, terei dito muitas vezes «ai tão fofo» com um sotaque que só tive nessa altura e que partilhava com mais duas, que hoje também já falam à séria, mas ainda falarão sem dificuldade em bombeirético.

Acho que nunca chorei ao pé dela, mas a Carla esteve lá em tantos momentos da minha vida.

Esteve lá naquelas férias na ilha da Armona, quando eu ainda não comia marisco (e não, ainda não bebo Super Bock não-sei-quê), quando conduzi o Pedrito Olhão e molhei as pessoas todas, quando andámos nos baloiços do parque infantil e trocámos os candeeiros solares do quintal de um senhor. Fez comigo e com a Elsa aquela viagem de muitas horas atrás de camiões com tomates, que os iam deixando cair debaixo do sol abrasador e fomos na Gaja Boa, que é da cor dos tomates (literalmente).

Esteve lá em Barcelona, quando apanhámos sol na praia ou quando subimos à Sagrada Família, e assou o peixe que comemos ao jantar e tirou muitas fotografias e entendeu que eu preferisse morrer a tirar os sapatos para descer na manga de plástico se o avião caísse.

Esteve lá no dia das boas-ideias-simples e pintou pessoas grandes e pequenas com digitinta com muito nível e almoçou nas Amarelas comigo e com outras pessoas, organizou a sua equipa e eles cuidaram dos cachopos. Nesse dia, eu estava ansiosa, mas correu tudo bem.

Passou comigo um fim-de-semana em Lisboa quando a minha casa era manhosa, manda-me coisas de gatos (aliás, gosta de gatos!) ou de decoração, sabe fazer quase todo o bricolage do mundo (sou como a mãe dela: acho que, a ser preciso, a Carla saberia ladrilhar paredes com azulejo), tem ideias giras e dá-me sempre presentes que me fazem chorar porque são só-para-mim. Já lhe dei um cacto. Já me plotou um cartaz que dizia nandinho-bláblá, no tempo em que eu nem sabia o que era uma plotter.Já me descansou muitas vezes quando eu estava imersa em dramas pequenos, chama-me nêspera e manda-me beijos no caroço na maioria dos casos. Ao pé dela, sinto-me não uma nêspera, mas um nabo na cozinha ou no desenho e ainda assim, gosto sempre dela e tenho sempre saudades, mesmo quando não me atende o telefone.

Não saberia nunca definir a Carla em poucas palavras. Podia dizer coisas parvas (é tão porreira), coisas lamechas (será provavelmente das pessoas mais generosas que conheço e, possivelmente, a pessoa em cujo bom coração acredito mais), coisas evidentes (poucas pessoas fazem os outros sentirem-se tão especiais, poucas pessoas têm tantos e tão bons amigos ou desenham tão boas bandas desenhadas, pelo menos as que eu conheço). Mas no fundo, e por muito que as palavras nunca possam ser poucas, podem ser simples, como as boas ideias, ou até como a minha Flecha: eu gosto dela e tenho saudades. Less is more.

1 comentário:

Unknown disse...

muy bien.... até a mim emocionas-te!
besos...
elsa