quinta-feira, março 10, 2005

Madalena

Sempre te disseram, Madalena, que Madalena é nome de menina queque. Sempre to disseram, na rua, na escola e, de alguma forma, foram-to dizendo por todo o lado.
Nunca foste magra também, Madalena, mas sempre te disseram, por todo o lado, que uma menina quer-se redondinha, composta, saudável, e foste crescendo entalada entre o nome de menina queque e a alegria da mãe pelo tamanho roliço das tuas pernas.
Foste crescendo, e chegou a altura de cresceres ainda mais e de uma maneira diferente... Chegou a altura de te sair carne da carne, de te crescer o peito, por dentro e por fora, e de usares camisolas largas para esconder a tua nova figura e artifícios vários para esconder o amor pelo Bernardo, que amaste como só se ama quando se tem quinze anos.
Sabes, do fundo do coração ou do peito que foi crescendo com os anos, até que decidiste fazê-lo voltar ao tempo em que ainda eras menina (queque), que tudo começou mesmo pelo Bernardo.
E foi assim rápido, quase ridículo na repetição dos queques como padrão da tua vida, tu ali, sentada à mesa do bar do colégio ao lado da Mariana e da Maria e o Bernardo a passar, e tu a comeres um queque, e a sentires vagamente o coração, ou o que fosse, a saltar-te pela boca e qualquer coisa por dentro desordenada, como se de repente o teu estômago tivesse decidido mudar de lugar e, porque não, voar pelo corpo... E o olhar do Bernardo, e aqueles olhos azuis, que ainda achas princípio e fim de ti, risonho, mas num riso de gozo, e as palavras dele, Madalena é nome de queque, mas desta vez queque mesmo o bolo, estás a ficar gorda, oh Madalena... E tu ali, sentada no bar do colégio, ao lado da Mariana e da Maria e de alma pequena, muito pequena, o coração (quase tão) encolhido como a barriga, a pensar no bolo comido, no tamanho das coxas, no peito a crescer por dentro e por fora.
Levantaste-te, Madalena, decida a tirar agora a carne à carne, a deixar de comer, a seres também tu, princípio e fim da vida do Bernardo e sobretudo, mais que tudo, acima de tudo, magra.
Levantaste-te, correste aos balneários e, numa primeira vez entre o desespero puro e a felicidade, vomistaste queque, a tua mãe e as amigas, as hormonas que te fizeram crescer e o Bernardo, mas sobretudo, e sabe-lo agora, vomitaste o pouco amor que te tinhas (ou ias tendo).
Aperfeiçoaste a técnica, Madalena, e agora é tão mais rápido que dessa primeira vez no colégio. Comes muito, muito, muito, quando já não consegues controlar a fome e de repente te descontrolas de vez, e depois apanhas o cabelo, lavas as mãos, vomitas tudo, bebes água, vomitas outra vez e choras no fim, como que a acalmar a raiva que vai flutuando agora por ti, e só parece passar quando, por fim, vomitaste tudo.
E sentes, Madalena, que a tua vida está, inevitavelmente, confinada a comer as calorias da vida sob forma de tristeza e a vomitá-las nos intervalos do sabor da fome, como se o mundo girasse à tua volta como um queque, esse queque que nunca te deixou...

Apetece-me dizer-te, Madalena, que sim, o teu nome é nome de queque, mas é também nome, dizem alguns, da única mulher que Jesus Cristo amou... Ressuscitado, foi a ela que apareceu, e ocorre-me perguntar-te, Madalena, se algum dos tamanhos de Maria Madalena importa nesta história que não o tamanho do coração...


Banda Sonora: Fat Boy, Jewel

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