quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Se foram dias ou meses, não sei

Se foram dias ou meses, não sei. Se foi a tua mão repetida sobre a minha cara e o cinzento arroxeado a espalhar-se em volta dos olhos; se foi a alegria da tua morte e o profundo nojo por se ser feliz com a morte de alguém. Se foi a carne a crescer pelo corpo sob forma de gordura, «já fui jeitosa, menina, já fui jeitosa», se foram as rugas alastrando pela parte de fora da cara e os olhos azuis perdendo o brilho.
Se foram meses ou anos, não sei. Se foi depois a descoberta de me fazer ainda falta a tua mão por cima dos meus olhos, o macilento arroxeado, o peso da dor e da vergonha de esconder os olhos na rua, se foi a evidência e a vergonha maior de amar o mau-trato na tua pessoa. Talvez fossem as dívidas por pagar, numa justa maneira de te manteres na minha vida, maltratando; ou a solidão e os homens que fui afastando pelo caminho por não saberem ao mesmo que tu, por definitivamente não lhes pesar igualmente a mão, por inevitalvelmente não me bater do mesmo modo o coração.

Sabes,Almerinda, eu devia ser uma parede branca e caíadinha à espera da tua história, pronta para poderes pintar de cinzento, suportar o embate e fazer mais cor de rosa uma história triste. Rosas, as rosas com que todos os dias trabalhas e transformas em ramos, todos os dias no estúpido exercício de trabalhar uma beleza efémera, no fundo metáfora da tua vida, as rosas, os espinhos, a estúpida atração pelo abismo. Devia ser eu uma parede branquinha, mas não posso, desta vez não posso, ou não consigo, e só me apetece gritar-te, que, urgentemente, peças a alguém que te abraçe.

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