segunda-feira, janeiro 21, 2008

Devo ter deixado no passeio as madeixas loiras, as botas altas de crescida e alguns centímetros. Devo mesmo tê-las deixado, porque tenho a certeza que não fui eu que entrei, fui eu pequena, num macacão de dormir de felpo amarelo com um embelema com um coelho bordado, as mãos gordinhas fora do macacão de felpo. Eu, ao colo do meu pai, os braços cerrados com muita força à volta do pescoço dele, um carapuço por causa do frio e do cabelo molhado do banho em casa da mãe e muitíssima vergonha dos vizinhos, por poderem ver-me com seis anos e de pijama de felpo amarelo.
Devo ter deixado o casaco também na calçada em frente do lote catorze, sétimo esquerdo, um sobretudo preto grande de pessoa crescida. Devo tê-lo deixado, porque pessoas grandes não entram assim em prédios onde não moram, só porque a porta da rua está sempre aberta e para verificar se os elevadores ainda são pintados de cor de rosa clarinho.
Os elevadores ainda são cor de rosa clarinho. As caixas de correio ainda são prateadas, a porta do sétimo direito continua igualzinha (mudou o tapete) e, insustentavelmente, o prédio cheira precisamente ao que cheirava há vinte anos. Cheirará, possivelmente, ao cheiro do meu cabelo molhado da noite, ao macacão amarelo, à eau de toilette Brut do meu pai, a peixe cozido com batatas e ovo esquecido, à vizinha de nome emigrante.
Hoje, cheirou a saudades, enquanto eu descia o elevador amarelo clarinho - ou seria cor de rosa?

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