segunda-feira, janeiro 21, 2008

Histórias pequenas

O menino do lábio roxo nasceu no dia de Nossa Senhora. A mãe, confiada em Santos, Demónios e demais criaturas, acha-o investido de uma graça divina, para sempre protegido dos males do mundo. O menino do lábio roxo vive num mundo metade verdade, metade fantasia, e é muito díficil perceber de que lado do mundo está quando fala. Hoje, diz-me que é muito díficil falar disto, enquanto me mostra como se empurra uma criança para cima de uma cadeira até ficar o lábio com sangue, como se dão quatro palmadas nas costas e três no rabo, porque se arrumou devagar os fios da playstation. O menino do lábio roxo nasceu no dia de Nossa Senhora, que não tem conseguido salvá-lo da própria mãe.
Vitória, vitória acabou-se a história. História contada, história acabada.

A menina pequenina que usa óculos vive com a avó, a quem parece acontecer tudo, e que não se importava de entregá-la a quem cuidasse bem dela. Também à menina que usa óculos tudo parece acontecer: a mãe que morre, o pai entre acidentes, doenças e consumos, a avó triste, as negligências por que já passou. A menina pequenina que usa óculos é tão pequenina que às vezes parece um pássaro, também pequenino, que vai desatar a voar devagarinho.
No caminho para a cidade, não me parece que conduza demasiado depressa, embora ache que nunca nos parece que vamos depressa, ou íamos devagar. Um pássaro passa-me em frente ao vidro. Bato-lhe e cai. Volto atrás, para socorrê-lo. O pássaro tem a barriga cor de laranja. Já morreu, a líndissima barriga exposta ao céu, inerte. Como para provar que alguns pássaros pequeninos não se podem salvar.

1 comentário:

Anónimo disse...

E a série "Trocar a Lizete"?... Eu troquei o Zorba em Dezembro, agora tenho um Zé!

Beijinhos da afilhada com saudades :(

Margarida